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Parlamentares na COP 30: hora de reescrever nosso contrato com a vida

  • Redação
  • 20 de out.
  • 3 min de leitura

Por Célia Xakriabá, Amanda de Albuquerque e Rhaysa Ruas


A crise climática é a face mais visível de uma crise muito maior: a do nosso modo de viver, produzir e nos relacionar com a Terra. É o sintoma de uma civilização doente, que rompeu o elo com a Terra e esqueceu que a Vida é interdependência. Reduzi-la a um problema técnico, a uma planilha de emissões ou a uma disputa entre diferentes nações e instâncias de governo é continuar acreditando que se conserta o colapso com a mesma lógica que o causou.


O que está em jogo é a nossa existência. O que comemos, o ar que respiramos, as casas onde moramos, os corpos que suportam o calor e a fome, tudo está sendo corroído. E são as mulheres negras, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e periféricas que sentem primeiro e mais fundo os impactos dessa destruição. São elas que cuidam da água, do alimento, das crianças, das casas e do futuro. Quando o planeta adoece, são as primeiras a adoecer junto.


Superar essa crise exige muito mais que metas e acordos: exige mudar o que entendemos por desenvolvimento. É preciso reconstruir o modo como nos relacionamos com a natureza e entre nós. Isso começa com as escolhas que parecem pequenas: que cidades queremos habitar, o que produzimos e consumimos. Cada decisão de vida é uma decisão climática. E não haverá futuro se continuarmos separados, se insistirmos em viver como se estivéssemos fora da Terra. Os povos e comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos sabem, por experiência, o que significa o desequilíbrio. Sentem nos corpos e nos territórios as mudanças nas águas, nas chuvas, nas florestas e nos ventos. Não porque vivam no passado, mas porque permanecem enraizados no presente da Terra. Eles nos lembram que o conhecimento que salva não é o que explora, mas o que escuta.


E é justamente no Poder Legislativo que essa escuta começa a ganhar corpo. Nos últimos anos, é nas câmaras municipais e assembleias estaduais que mais mulheres têm conseguido adentrar a política institucional, muitas delas vindas dos territórios, das comunidades e das lutas de base. Mas essa presença ainda está longe de representar a diversidade do país: apenas 7,5% das vereadoras eleitas são mulheres negras, e somente 39 mulheres indígenas ocupam hoje as câmaras municipais. Ao ocuparem o poder, essas mulheres trazem outra linguagem: a da partilha, do cuidado, da continuidade da vida. Não fazem política para dominar, mas para cuidar e curar. Ao traduzirem as dores dos territórios em propostas de lei, mostram que o Parlamento pode ser também um espaço de reconstrução do pacto entre a humanidade e a natureza.


Por isso, a COP30 em Belém, que em breve fará da Amazônia o centro do mundo, precisa enxergar o papel estratégico dessas parlamentares que não apenas representam os povos das águas e das florestas, mas que são esses povos e encarnam seus saberes ancestrais. O futuro não se constrói apenas com compromissos assinados por chefes de Estado, mas com leis, orçamentos e fiscalização capazes de proteger a vida. É papel do Congresso Nacional, das assembleias e das câmaras municipais transformar a agenda climática em política pública concreta. E isso só será possível se as vozes que vêm da Terra tiverem lugar à mesa.


Precisamos de um pacto político e climático que reflita essa nova consciência: orçamentos que incorporem custos socioambientais, leis de proteção e regeneração dos biomas, demarcação de terras indígenas, responsabilização de empresas que lucram com a destruição e mecanismos reais de justiça e reparação climática.


A COP30 pode ser o início dessa virada, se tivermos coragem de abandonar o velho mundo. E essa coragem já existe: ela pulsa nos territórios e nas mulheres que, apesar de tudo, seguem tecendo a vida. É hora de o Legislativo legislar pela vida, e de a Terra voltar a ter voz nas decisões sobre o seu próprio futuro. Artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil

Célia Xakriabá irá participar da COP30

Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados

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